quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

CARLOS EDUARDO SAMPAIO - L.A.B

Diário,

Completo hoje quinze anos. Quanta felicidade! Uma idade mágica, que toda garota sonha. Agora posso dizer: estou no auge da minha puberdade! Os anos da minha vida com que tanto sonhei. A vida toda por se desenrolar, ali, na minha frente. Todos os desenganos, as dúvidas, as afirmações pertinentes da própria idade. Nunca mais ouvir exemplos dos outros, estórias de minha mãe, minhas tias. A minha própria vida agora. E ela está lá fora. Quisera eu ter braços grandes para abraçar tudo. Vivenciar tudo. Uma chama que quer me consumir com rapidez e intensidade! De delírio em delírio sonho com uma pessoa para toda a vida. Meu corpo já crescido; seduz e induz ao amor e ao querer. Passeio por entre os homens e sinto o desejo deles me sufocando. Olhares de bichos famintos, esperando a hora de me atacar. Ando receosa, tímida, mas com toda a exuberância e desenvoltura de uma menina de quinze anos. Dormi mais cedo ontem para que esse dia chegasse logo, pra acabar com minha ansiedade. Hoje acordo menos dolorida. Com dor igual eu ficava quando comecei a menstruar. Porém essa dor é mais aguda, mais profunda. Sinto-me muito fraca ainda. A comida que me dão aqui é muito pouca. Não é justo pelo esforço que faço. Pelo que suporto. Pelas carnes fedidas a me agredir. Um, dois, três... Cada dia eu tenho que satisfazer um número maior de apetites. As manchas roxas dos primeiros dias nas minhas pernas, já estão quase desaparecendo. Meus braços já não mostram as marcas da violência de antes. Meu nariz aos poucos suporta esse cheiro de barba imunda, de pele suada. É inútil resistir: um tapa que me arde a face, dois braços que me puxam para o chão e estou ali, brutalmente pronta. Quase desfalecida pelas agressões. Não resisto mais, por isso a minha pele tão manchada pela a insensatez da recusa, volta a ter um aspecto melhor. Fiz quinze anos e aqui estou eu: uma debutante em festa esdrúxula posta como banquete para convidados que não chamei. Por isso Diário, hoje escrevo com mãos jovens essas linhas de futuro repleto de incertezas, mas que não esqueceu o sabor dessa idade.

Prisão de Abaetetuba, 06 de novembro, Belém-PA.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ótimo texto, cara. Òtima sacada também. Show de bola.

Escritos do Sol e da Lua disse...

Muito bacana, Eduardo. Com emoção, sensibilidade. Parece coisa do Chico Buarque qdo incorpora a alma feminina.
LG Capaverde

Janaína Bandeira disse...

Caramba, Cadu!! Cara, simplesmente sensacional!!!!!!!! Vc chora a dor de meninas que tiveram que passar por uma experiência tão traumática. Amei!!!