segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

A DESATENÇÃO - LEVI DE FREITAS

A desatenção – Levi d’Freitas

No livro “O que é comunicação”, Juan Dìaz Bordenave trata o ato de comunicar como sendo de serventia “para as pessoas se relacionarem entre si, transformando-se mutuamente e a realidade que as rodeia”.
Ainda no supracitado livro, Juan Dìaz apresenta os elementos básicos da comunicação como sendo: a situação; os interlocutores; a mensagem; os signos; os meios. Contudo, sabe-se que, uma vez enviada, a mensagem pode sofrer distúrbios que a impedem de chegar a seu destino da forma que gostaria o emissor, ou seja, preservadas suas características. A estes distúrbios, damos o nome de ruído. Trataremos, agora, de um em especial: a desatenção.
De modo geral, a desatenção vem a ser um desligamento temporário de um dos interlocutores, durante um processo de comunicação, devido a fatores externos, tais como desinteresse no ato de comunicar, desentendimento dos signos, súbita percepção de apelo comunicacional mais atrativo que o anterior no qual estava envolvido, dentre outros.
Ao ato de comunicar, poder-se-ia atribuir, ilustrativamente, uma espécie de “contrato de transmissão de mensagem”. Desta forma, ao envolver-se em um ato comunicacional, o(s) interlocutor(es) apresenta-se disposto a receber e emitir mensagens. Ao ceder aos fatores influenciáveis à desatenção, estaria ferindo este subjetivo “contrato”.
Sendo a comunicação, análogamente falando, como uma “caixa de Skinner”, na qual, ao tocar na barra, que seria o figurativo “contrato de transmissão de mensagem”, o sujeito interlocutor que, subjetivamente, gera a situação de comunicação, ao mostrar-se desatento, fere o princípio de “ação e reação”, uma vez que também há um “outro lado da história”, que aguarda as condições ideais e os elementos básicos da comunicação em harmonia para haver transmissão de mensagem com sucesso. Fere, pois, o princípio básico da comunicação.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

DIÁRIO DE QUINTA - LEVI DE FREITAS

Diário de Quinta - Levi d'Freitas

Era pra ser só mais uma típica quinta-feira. Acordo cansado, sozinho e atrasado. Reunião de negócios, sabe como é que é: provar ao chefe que vale a pena pagar por seu serviço invisível... Creio não interessar a você meus métodos de persuasão, além de quê, não desperdiçarei meu tempo e minhas linhas com bobagem. Resumo então minha manhã na cena em que meu pai vai com, literalmente, tanta sede ao almoço, que leva consigo um copo daqueles de estimação, clássico, com nome e tudo, ao invés da convencional dupla (ou trio, vá lá!) talheres-prato fundo de vidro. Como se ele pudesse beber o arroz, né... Balanço a cabeça e me volto aos afazeres. O dia estava apenas começando! (É que meu dia tem trinta horas...)
Á tardinha, compromisso marcado com cliente. Tinha de desdobrar um vendedor em 30
minutos e correr para a faculdade. Chego na hora (uma vez acontece da gente não se atrasar...) e aguardo. Meia-hora depois, (conveniente, não?!) a mocinha (nem tããão mocinha...Tá bom, uma tia de seus cinqüenta e poucos...) me informa que a reunião fora remarcada para dali a uma hora. Que pena, em uma hora eu já estava em sala de aula, entregando trabalho escrito e tudo. Mantive a calma, respirei fundo, sorri, dei boa-tarde e meia-volta. Não fazem mais secretárias como antigamente! (Tupo pode acontecer, menos eu perder a oportunidade deste trocadilho...)
Também não falarei de aulas. Chega por hoje! Já passa de uma hora da madrugada. Falarei do final da aula, apenas. Enquanto dividia, durante leitura de texto, meu livro com 'A' morena (ela lia as linhas do livro enquanto eu lia as curvas de suas cruzadas de pernas), recebo uma ligação. Cortou todo meu barato, mas quem sabe fossem boas notícias... Não, não eram. Meu primo, oferecendo carona para voltar para casa (é, além de universitário, não possuo transporte próprio. Quem quiser me dar uma ajudinha financeira, meu endereço está logo abaixo deste escrito). Naquele momento, sem chance. Eu estava em uma altamente empolgante aula (a morena estava me tirando do sério! Que morena, meu Deus!). Disse a ele que podia seguir em seu super-carro de alguns milhares de reais que eu iria embora sozinho mesmo, dali a alguns minutos, de condução coletiva.
Sabe, o ônibus é algo tão coletivo que até o azar é compartilhado, dentro dele. Imagine: meia centena de pessoas fatigadas de um dia corrido, todas declaradamente esfomeadas e sonhando pôr os pés em casa. Agora, veja na cena seguinte, esta mesma meia-multidão esbravejando no meio da rua contra o ônibus que encerra seu trajeto por “problemas técnicos”, em um lugarzinho no meio do nada, de referências policiais diárias... (E sem cobertura fixa dos homens da lei, diga-se de passagem. Socorro!) Ah, vidinha famigeradamente irônica!
Ora, claro que pensei em tomar uma atitude! Na verdade, pensei em várias soluções para aquele problema iminente. O fato é que não me deixaram agir quando eu queria. Pensei em tomar outra condução, um táxi, por exemplo. Nisto, porém, ouço fantasmagórica risada. Era minha carteira, avisando que eu só possuía o dinheiro do jantar e teria de ficar ali, esperando o carro reserva da empresa de transporte público. Então, ouço outra risada, esta mais estridente. Era o relógio, avisando que em alguns minutos todos os estabelecimentos comerciais próximos estariam fechados e eu provavelmente não conseguiria comprar nada para comer. Pensei em sair andando, ver se achava algum lugar para saciar a fome. Quando dei os primeiros passos me distanciando das pessoas, rumo ao desconhecido que era aquele lugar aparentemente deserto, ouço uma gargalhada grave e sutil. Era meu livro, fiel companheiro, lembrando que ele era minha única arma naquele momento. Resolvi então ligar para casa e orientar alguém a me fazer esta caridade: comprem meu jantar, pelo amor de Deus! Além, claro, de avisar que iria chegar tarde, a fim de não deixar ninguém preocupado. Bom, pelo menos ninguém estava preocupado comigo, pois o telefonema não foi atendido. Nisto, o celular em minha mão fez ouvir sua risada desesperadora a léguas. Ainda não entendi o que ele queria me avisar ou me lembrar. Só que não esqueci seu tom de zombaria...
Já no auge do desânimo e bem próximo do desespero, vislumbro a chegada do carro de socorro, que leva-nos a nossos destinos.

Desço alguns quarteirões antes de casa. Passo no (ainda funcionando, graças a Deus) supermercado. Segundo a voz do microfone, tenho 15 minutos para efetuar minhas compras antes que tudo feche. Tudo bem. Pego bolachas e um sabonete (eu estava com um cheirinho natural tão natural que já não estava suportando... Mesmo não sendo ‘dia de banho’, um cairia muito bem...). Ao chegar ao caixa, o rapaz recusa-se a me atender (após eu esperar por um senhor que estava à minha frente por uns cinco minutos), alegando ter ‘passado da hora’. Pudera! Meu relógio mostra estar faltando cinco minutos para a meia-noite, horário de fechamento do recinto. Ele, porém, afirma que ‘o sistema’ é que parou. Tudo bem, não é meu dia mesmo. Vou a outra fila. Quinze minutos nela e eu era enfim atendido. Já sentia o sabor do sabonete mergulhado nas bolachas misturados com minha saliva (eca! O que a fome não faz, hein...). Enfim, chego em casa. Como as bolachas (sem sabonete!), tomo um bom banho (com sabonete!). E vou dormir. Cansado, sozinho e atrasado. Já são duas horas da madrugada! Isto são horas, menino! E amanhã, ah, amanhã vai ser outro dia.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

ESTRANHAMENTO FAMILIAR - LEVI DE FREITAS

Estranhamento familiar - Levi d'Freitas



Com um profundo suspiro, acorda atordoado. Revira os bolsos como que à procura de algo que não sabe o que é. Lava o rosto. Senta-se à cadeira ao lado da cama. Ergue os olhos e percebe aquele que será o pivô de seu tormento por alguns instantes.

- Mas, que diabos é isto?

À sua frente, imperiosa, uma caixa escura. Formato quadrilátero, alguns botões.

-O que esta coisa está fazendo aqui?

Segue em direção à peça. Curioso, toca-lhe os botões, o que resulta no acionamento dos mecanismos do estranho instrumento. Neste momento, luzes acendem, iluminando o escuro recinto. Assusta-se ao ver e ouvir rostos e vozes desconhecidos.

-Com quem estão falando? Comigo!? Saiam daí para conversarmos!

Em vão tocou aquela mística tela, quando buscava sentir a rosada face da bela moça que falava de dentro da agora colorida caixa imponente, que mais parecia um ídolo religioso, dado seu posicionamento estrategicamente ao centro do quarto.

-Ora, parem de falar e me ouçam!

Irritado, apertava os botões e espantava-se cada vez mais com a velocidade com que pessoas iam e vinham. E assim, ouviu (e viu) um saliente homem dizer:

“-Bem vindos ao mundo da televisão!”

Ao que pensou:

-Ora, de que me serve estar em um mundo que vejo, ouço, mas no qual não tenho vez nem voz, com o qual não interajo? Este é teu fim, caixa mágica!

E puxou o fio da tomada.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

O JULGAMENTO(Continuação...) - CARLOS EDUARDO SAMPAIO

Diante daquelas últimas palavras, o tribunal não se conteve: pessoas ligadas ao réu, levantaram gritando que aquilo era um absurdo para nossa época; que por muito mais do que isso gente muito mais nociva à sociedade tinha sido condenada a uma pena mais leve. Até o juiz Metelo Nepos inclinou-se para frente para ter certeza de que ouvira bem aquelas palavras. Para o réu Lucius Emilio Vespasiano tudo parecia não fazer mais sentido: fora a cor que desaparecera por completo do seu rosto, a sala ficara de repente silenciosa; o tempo tornou-se mais vagaroso e as idéias vinham agora de ecos que ressoavam na sua cabeça e sumiam sem deixar qualquer sinal de presença. Não conseguia dar seqüência a nenhum pensamento lógico; quando uma idéia dá sentido a outra anterior e assim por diante. Nada! Lucius Emilio era uma pessoa ainda relativamente jovem. Ainda cedo entraria para uma agremiação de jovens literatos na sua cidade natal de Tresímeno. A turma dessa agremiação não parava de escandalizar a gente simples daquela cidade com todos os tipos de excessos. Bebidas, defloração de menores, rituais pagãos; se consideravam mesmo epicuristas e levavam a fundo todos os preceitos desse velho filósofo grego. Contudo, achava normal todos aqueles atos e legítima a vontade de chocar o mundo com seu péssimo gosto de jovem vaidoso e pomposo. Seus versos eram repudiados por todos os senhores que tivessem um bom discernimento dentre os inúmeros e variados tipos de literatura produzida na cidade de Tresímeno. Mas o julgamento desses perfeitos idiotas da velha escola Cicerana, não significava nada para ele e seu obscuro propósito de ver seus textos brilhando nas grandes revistas da capital Hélos...

sábado, 9 de fevereiro de 2008

O JULGAMENTO - CARLOS EDUARDO SAMPAIO

E então o barulho do martelo descendo por três vezes naquele pedaço de madeira retangular, fez-se imponente; uma voz grave e firme ecoou com força pela sala, chegando de fato a estabelecer um significativo silêncio.

- Queira o advogado de acusação continuar a sua linha de raciocínio – falou o juiz Metelo Nepos, já bastante irritado com a interferência de alguns mais exaltados.

- Como eu ia dizendo Meritíssimo antes de ser drasticamente interrompido, o réu, que no pavonear típico de seu caráter, na total falta de tato para sua insignificância literária, gaba-se com escritos, que aos olhos de todo mundo, não passam de escritos menores; parco em cultura e idéias. Eu mesmo tenho contato com grandes e notáveis escritores da nossa geração, mas não vi nenhum Meritíssimo, nenhum que se mostrasse tão petulante e arrogante como o réu que aqui está sentado diante de nós. Desvirtuar nossos tão sagrados valores, altivos na sua histórica tradição, é o que pretende o réu quando coloca importância a sentimentos mesquinhos de sua gente e seu povo.

Nesse instante os olhos de impetuosidade do advogado de acusação, se dirigiram para o canto da sala do tribunal onde ficava o júri. O júri era composto pelos mais respeitáveis e aristocráticos exemplares das letras da cidade de Hélos. O advogado de acusação de nome Gaius Julius - também ele um intelectual e respeitável entre seus pares literatos - sabia que para tão honrado júri, era inevitável que seguisse uma linha de acusação que invocasse toda a tradição e o bom gosto tão bem conhecidos e praticados por esses distintos senhores. E continuou na sua hábil explanação:

- Nega diante desses admiráveis senhores que não evocou toda sua vaidade quando escreveste aquele amontoado de palavras, uma atrás da outra, a que chamou de literatura? Negará que abusou de nossa tão sagrada paciência quando publicou, em desatino desvairado de arrivista, textos de duvidoso valor em uma revista importante da nossa cidade? A essa falta de imprudência e a essa falta de autocrítica, que o faz pensar ser melhor do que realmente é eu peço a mais alta pena da nossa jurisprudência: a pena de morte!.....

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

AS CINZAS DO CONFETE - LEVI DE FREITAS

As cinzas do confete - Levi d'Freitas


Acabou-se a serpentina.
O rei momo já se retirou.
A avenida, o sol ilumina,
meu confete acabou.

A música, antes incansável,
onde pois se escondeu?
A alegria de um povo inteiro
guardou-se ou a lua comeu?

Tantos risos, tantos beijos
tudo que tanto bem fazia.
Tantos corpos, tantos seios
onde estãos as fantasias?

Meu Brasil, a quem fazes mal?
tão lisonjeiro a todos acolheu
Passou-se, porém, o carnaval
e quem ficou? Apenas eu.

Vede teu rosto,
empapuçado de folia
Agora, vede teu povo:
à mesa da festa, não comia.

E acabou-se mais um carnaval.
E a alegria?
Cingida por cinzas, chegou ao final.