sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

DIÁRIO DE QUINTA - LEVI DE FREITAS

Diário de Quinta - Levi d'Freitas

Era pra ser só mais uma típica quinta-feira. Acordo cansado, sozinho e atrasado. Reunião de negócios, sabe como é que é: provar ao chefe que vale a pena pagar por seu serviço invisível... Creio não interessar a você meus métodos de persuasão, além de quê, não desperdiçarei meu tempo e minhas linhas com bobagem. Resumo então minha manhã na cena em que meu pai vai com, literalmente, tanta sede ao almoço, que leva consigo um copo daqueles de estimação, clássico, com nome e tudo, ao invés da convencional dupla (ou trio, vá lá!) talheres-prato fundo de vidro. Como se ele pudesse beber o arroz, né... Balanço a cabeça e me volto aos afazeres. O dia estava apenas começando! (É que meu dia tem trinta horas...)
Á tardinha, compromisso marcado com cliente. Tinha de desdobrar um vendedor em 30
minutos e correr para a faculdade. Chego na hora (uma vez acontece da gente não se atrasar...) e aguardo. Meia-hora depois, (conveniente, não?!) a mocinha (nem tããão mocinha...Tá bom, uma tia de seus cinqüenta e poucos...) me informa que a reunião fora remarcada para dali a uma hora. Que pena, em uma hora eu já estava em sala de aula, entregando trabalho escrito e tudo. Mantive a calma, respirei fundo, sorri, dei boa-tarde e meia-volta. Não fazem mais secretárias como antigamente! (Tupo pode acontecer, menos eu perder a oportunidade deste trocadilho...)
Também não falarei de aulas. Chega por hoje! Já passa de uma hora da madrugada. Falarei do final da aula, apenas. Enquanto dividia, durante leitura de texto, meu livro com 'A' morena (ela lia as linhas do livro enquanto eu lia as curvas de suas cruzadas de pernas), recebo uma ligação. Cortou todo meu barato, mas quem sabe fossem boas notícias... Não, não eram. Meu primo, oferecendo carona para voltar para casa (é, além de universitário, não possuo transporte próprio. Quem quiser me dar uma ajudinha financeira, meu endereço está logo abaixo deste escrito). Naquele momento, sem chance. Eu estava em uma altamente empolgante aula (a morena estava me tirando do sério! Que morena, meu Deus!). Disse a ele que podia seguir em seu super-carro de alguns milhares de reais que eu iria embora sozinho mesmo, dali a alguns minutos, de condução coletiva.
Sabe, o ônibus é algo tão coletivo que até o azar é compartilhado, dentro dele. Imagine: meia centena de pessoas fatigadas de um dia corrido, todas declaradamente esfomeadas e sonhando pôr os pés em casa. Agora, veja na cena seguinte, esta mesma meia-multidão esbravejando no meio da rua contra o ônibus que encerra seu trajeto por “problemas técnicos”, em um lugarzinho no meio do nada, de referências policiais diárias... (E sem cobertura fixa dos homens da lei, diga-se de passagem. Socorro!) Ah, vidinha famigeradamente irônica!
Ora, claro que pensei em tomar uma atitude! Na verdade, pensei em várias soluções para aquele problema iminente. O fato é que não me deixaram agir quando eu queria. Pensei em tomar outra condução, um táxi, por exemplo. Nisto, porém, ouço fantasmagórica risada. Era minha carteira, avisando que eu só possuía o dinheiro do jantar e teria de ficar ali, esperando o carro reserva da empresa de transporte público. Então, ouço outra risada, esta mais estridente. Era o relógio, avisando que em alguns minutos todos os estabelecimentos comerciais próximos estariam fechados e eu provavelmente não conseguiria comprar nada para comer. Pensei em sair andando, ver se achava algum lugar para saciar a fome. Quando dei os primeiros passos me distanciando das pessoas, rumo ao desconhecido que era aquele lugar aparentemente deserto, ouço uma gargalhada grave e sutil. Era meu livro, fiel companheiro, lembrando que ele era minha única arma naquele momento. Resolvi então ligar para casa e orientar alguém a me fazer esta caridade: comprem meu jantar, pelo amor de Deus! Além, claro, de avisar que iria chegar tarde, a fim de não deixar ninguém preocupado. Bom, pelo menos ninguém estava preocupado comigo, pois o telefonema não foi atendido. Nisto, o celular em minha mão fez ouvir sua risada desesperadora a léguas. Ainda não entendi o que ele queria me avisar ou me lembrar. Só que não esqueci seu tom de zombaria...
Já no auge do desânimo e bem próximo do desespero, vislumbro a chegada do carro de socorro, que leva-nos a nossos destinos.

Desço alguns quarteirões antes de casa. Passo no (ainda funcionando, graças a Deus) supermercado. Segundo a voz do microfone, tenho 15 minutos para efetuar minhas compras antes que tudo feche. Tudo bem. Pego bolachas e um sabonete (eu estava com um cheirinho natural tão natural que já não estava suportando... Mesmo não sendo ‘dia de banho’, um cairia muito bem...). Ao chegar ao caixa, o rapaz recusa-se a me atender (após eu esperar por um senhor que estava à minha frente por uns cinco minutos), alegando ter ‘passado da hora’. Pudera! Meu relógio mostra estar faltando cinco minutos para a meia-noite, horário de fechamento do recinto. Ele, porém, afirma que ‘o sistema’ é que parou. Tudo bem, não é meu dia mesmo. Vou a outra fila. Quinze minutos nela e eu era enfim atendido. Já sentia o sabor do sabonete mergulhado nas bolachas misturados com minha saliva (eca! O que a fome não faz, hein...). Enfim, chego em casa. Como as bolachas (sem sabonete!), tomo um bom banho (com sabonete!). E vou dormir. Cansado, sozinho e atrasado. Já são duas horas da madrugada! Isto são horas, menino! E amanhã, ah, amanhã vai ser outro dia.

Um comentário:

FA13 Jornalismo disse...

Eita.. se garantiu.
Um dia bem narrado.
Como diz o Capaverde: não para garoto!